1. Voar já foi uma utopia
Juntos Pela São Paulo que Sonhamos
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O relatório Brundtland – “Nosso futuro comum” (1987) definiu desenvolvimento sustentável como aquele”… que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
Quando a semente desta utopia foi plantada, seu marco conceitual abrangia explicitamente 3 pilares – ambiental, econômico e social – e um pressuposto ético intergeracional, isso é, de que os pilares não só deveriam ter – entre si – um equilíbrio mas também que este equilíbrio permitiria às gerações futuras o suprimento de suas próprias necessidades.
Importante notar que o relatório em si não recomenda um ou mais modelo(s) econômico(s) como apropriado(s) para chegar ao DS, nem quais seriam essas “necessidades presentes” ou as condições para um acesso “justo” (conforme define o texto) a essasnecessidades por todos os seres humanos.
O texto aponta claramente os problemas de desigualdades, assimetrias regionais, entre e dentro dos países. É também cuidadoso em não trazer soluções prontas (receitas) e identifica a necessidade de se levar em conta as condições regionais, culturais, históricas, religiosas, de participação política, etc… para que qualquer modelo proposto possa ter sucesso.
Por fim, apela às nações, instituições internacionais, nacionais, governamentais, não governamentais, empresas grandes, pequenas, nacionais ou multinacionais, às sociedades humanas e a cada ser humano, aos jovens e professores, homens e mulheres para que assumam com urgência o desafio de mudar atitudes e hábitos de consumo para rumar em direção ao desenvolvimento sustentável.
Os dados que sustentam o diagnótico estão desatualizados e as relações internacionais tiveram mudanças significativas – lembrem-se de que o muro de Berlim caiu um ano depois do lançamento do Relatório – o relatório e suas conclusões infelizmente ainda não perderam sua atualidade.
Os atores que deveriam liderar, normatizar e investir para que o processo que leva ao DS avançasse não fizeram sua lição de casa; ficaram muito aquém do esperado, em especial com relação às metas de investimento para a ajuda ao desenvolvimento. O fluxo de recursos naturais e financeiros continuou sendo dos países mais pobres para os mais ricos, mesmo durante os anos da crise econômica iniciada em 2008.
Não quero com isso dizer que não houve avanço, em especial de conciência, organização da sociedade, tecnológicas e de comunicação, mas também tivemos retrocessos importantes: concentração fundiária, de conhecimento, das próprias tecnologias, de riqueza, fundamentalismos religiosos em várias partes do mundo, só para citar alguns.
Seria essa uma intencionalidade – a marca da manutenção do imperialismo e da dominação do Norte sobre o Sul, do capitalismo internacional por sobre os interesses das populações? Seria a própria utopia do Desenvolvimento Sustentável uma imposição dos países ricos e do capitalismo, uma forma de dificultar o “desenvolvimento” dos países mais pobres? Ou será que esse é o discuso das elites econômicas e políticas – geralmente as mesmas pessoas ou seus prepostos – dos países mais pobres para justificar a escandalosa taxa de desigualdade dentro destes mesmos países?
A natureza tem limites definidos e a tecnologia, fruto da inventividade humana, tem por base esses mesmos recursos naturais finitos. Há quem acredite que a tecnologia irá resolver estas questões e que temos de nos preocupar somente com as questões sociais. No entanto, antes de termos prontas soluções tecnológicas que permitam a continuidade do atual modelo de desenvolvimento e consumo, parte da humanidade e da vida sobre o planeta irá desaparecer – morrer! Temos de nos perguntar a quem interessa este tipo de solução – possivelmente àqueles que sentem que, via de regra, estarão a salvo desta completa mudança da conformação mesma do planeta.
A mudança climática e a aceleração da frequência e intensidade dos eventos extremos já são realidade. A possibilidade de conseguirmos parar o aumento da temperatura em 2o.C é cada dia mais remota. O que vai acontecer com os habitantes de Bangladesh e das desembocaduras de todos os grandes rios do mundo? De todas as beiras de mar? O que vai acontecer com a segurança alimentar e nutricional? Sabemos que produzir mais não é garantir que todos terão o que comer – já hoje o problema não é de quantidade, mas acesso; não é de calorias por dia, mas de conteúdo nutricional.
A meu ver, o Desenvolvimento Sustentável é um imperativo ético e uma questão de sobrevivência não do planeta, mas da vida na forma como a conhecemos e, em especial, da espécie humana. Temos de entender que norte – sul / esquerda – direita não são categorias suficientes para abarcar a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento que propugnam. É claro que devemos discutir “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, mas isso vale não só entre nações mas dentro das mesmas, regionalmente, conforme os níveis de consumo e modos de vida, e até entre homens e mulheres. No entanto, se o barco está pegando fogo, não adianta ficar discutindo de quem é a culpa ou morreremos todos afogados.
Hoje, encontramos uma distância maior entre governos “desenvolvimentistas” (de direita e de esquerda) e experiências (ainda tímidas) de governos “sustentabilistas progressistas” do que entre governos de esquerda e direita tradicionais ou do “norte” e do “sul”. É só observarmos que os maiores bancos de desenvolvimento da atualidade são chineses (2) e o brasileiro BNDES – os 3 com investimentos superiores aos do Banco Mundial. A China é hoje não só o maior comprador de terras como o maior investidor em óbras de infraestrutura na África e está chegando com força na América Latina, onde o BNDES cumpria este papel até há 2 anos atrás.
Como entender a essencialidade do termo sustentabilidade para o alcance profundo de nossa visão de desenvolvimento, para a construção de nossa utopia e para termos clareza do desafio que significa por em prática modelo(s) de desenvolvimento que sejam efetivamente sustentáveis?
2. Aprimoramento do marco conceitual do Desenvolvimento Sustentável – uma visão fora do eixo norte / sul – esquerda / direita
A Rede Sustentabilidade define o Desenvolvimento Sustentável a partir dos pilares “classicos” – econômico, ambiental e social – mas acrescenta a necessidade de sustentabilidade cultural, ética, estética e política. Essas 7 dimensões da sustentabilidade devem ser permeadas pela capacidade de realização plena do indivíduo e da sociedade (transversalidade).
Sugerimos falar de sustentabilidade por inteiro para demonstrar que a sustentabilidade precisa ser integral e sua realização vai além da junção mecânica da realização de cada um dos pilares.
Dimensão econômica: As relações econômicas devem estar baseadas em valores humanos e promover bem-estar em a toda sociedade, gerar conhecimentos, oportunidades de trabalho e riqueza, o que não se manifesta apenas através de parâmetros monetários e administrativos. As atividades econômicas devem preservar a estabilidade macroeconômica, o equilíbrio financeiro a longo prazo, a responsabilidade social e ambiental da propriedade e a capacidade de recomposição dos recursos naturais, para que o lucro de curto prazo não comprometa as próprias bases de sustentação da economia e da vida. A cultura econômica deve internalizar os valores de qualidade de vida e equidade em lugar do consumismo e da desigualdade e promover a adequação dos objetivos do “Mercado” aos direitos humanos e à justiça social, rejeitando a naturalização da supremacia das razões econômicas sobre todas as demais.
Dimensão ambiental: é preciso garantir a capacidade da natureza de se reproduzir e evoluir, por meio do cuidado à manutenção dos ciclos biogeoquímicos e da energia que dão sustentação a todas as formas de vida. Isso só é possível transformando a relação entre os seres humanos e entre estes e o ambiente natural, o que também supõe levar em conta o direito das gerações futuras a um planeta não degradado. É preciso dar ênfase à questão climática como um eixo onde se encontram as várias dimensões da sustentabilidade, demonstrando a necessidade de visão e ação integradas.
Dimensão social: capacidade de transformar os recursos naturais e os bens e serviços que produzimos em melhoria da qualidade de vida das pessoas, em redução / eliminação das desigualdades sociais, em segurança alimentar e nutricional e em acesso à educação, saúde, cultura, esporte e lazer, moradia, água limpa e saneamento básico.
Dimensão cultural: diz respeito à concepção do modelo de desenvolvimento, seus objetivos e marcos civilizatórios. Envolve o respeito, a preservação e a valorização da diversidade cultural e suas subjetividades como parte integral e autônoma do desenvolvimento pleno do ser humano e das suas muitas sociedades, não submissível à compreensão de desenvolvimento apenas como crescimento material.
Dimensão ética: somos seres que se importam uns com os outros, hoje e com os que virão no futuro. Isso se chama laço social ou aliança intergeracional, que não se resolve de forma técnica, mas sim ética. E esta ética ampla, atemporal, se sustenta na ética cotidiana dos indivíduos, com seus semelhantes e não-semelhantes. A falta desta dimensão destrói as conexões e os nexos que nos caracterizam como humanidade, como seres conscientes de nós mesmos e dos outros.
Ambas (cultura e ética), por sua vez, estão na base da ética política e da ética econômica, ao estabelecer limites para o poder e para o lucro, limites esses ditados pela consideração do direito coletivo, de cada um dos demais seres humanos, das outras espécies e do planeta.
Dimensão política: Nada será sustentável se o processo de tomada de decisões de interesse público não tiver características de legitimidade, representatividade, participação e abertura aos cidadãos das informações e ritos decisórios das instituições de Estado. O debate público, para tanto, é essencial para as escolhas coletivas, para criar o espaço de descoberta dos pontos de interesse comum aos divergentes.
A sustentabilidade política é a antítese dos “salvadores da pátria”, que por meio de poder carismático e manipulação travestem-se em “guias” da sociedade, usurpando a iniciativa política de cada indivíduo. A política se tornará sustentável quando for vista majoritariamente como um “problema nosso”, ou melhor, como uma “questão nossa”, e não como uma delegação desmedida a poucos.
Por fim, temos a Dimensão estética: Algumas coisas têm valor simbólico e não puramente econômico. Intuímos esta dimensão, mas podemos entende-la melhor com um exemplo. O Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, pode não ter nenhuma liquidez, mas nenhum de nós admitiria transformá-lo em brita. Isso é sustentabilidade estética. O respeito ao conteúdo estético dos bens culturais dos diferentes grupos étnicos formadores das sociedades humanas precisa ser garantido, assim como o direito à contemplação da natureza e da arte como parte do equilíbrio humano e fator de incentivo à reflexão e ao autoconhecimento.
Para terminar
Uma reflexão teórica sobre o desenvolvimento sustentável não irá substituir a prática e a prática não está dada pois estamos em sociedades viciadas, contaminadas por ideais de consumo e poder que têm por traz de si poderosas máquinas de imediatismo. Mesmo os grupos mais organizados e concientes, frente ao tamanho das mudanças necessárias, terminam se perdendo em lutas com seus mais próximos (ou menos diferentes). O caminho é desconhecido e, como diz o poeta, talvez precissemos mudar também nossa forma de caminhar. Assim, conteúdo e forma precisam evoluir em conjunto – uma ditadura sustentabilista pode ter resultados imediatos, mas não será sustentável politicamente e não é uma solução aceitável. Os processos devem ser valorizados e precisamos ter clareza de que as soluções serão múltiplas, diversas e devem estar sustentadas pelo pelo respeito à diferença, pela igualdade de oportunidades, pela equidade e pela paz.
*Muriel Saragoussi é Engenheira Agrônoma e Coordenadora de Formação da Rede Sustentabilidade. Foi consultora da organização não-governamental Oxfam na África Ocidental, coordenadora das campanhas da Oxfam do Brasil, secretária de coordenação de políticas para a Amazônia e diretora do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) na gestão da ex-senadora Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente.
* Com base em palestra proferida na mesa redonda “Desenvolvimento Sustentável: diálogos norte-sul” no âmbito do Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento da Universidade Aberta – Uab, Portugal
Extraído
https://redesustentabilidade.org.br/2016/06/06/desenvolvimento-sustentavel-imperativo-etico-e-questao-de-sobrevivencia/
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O relatório Brundtland – “Nosso futuro comum” (1987) definiu desenvolvimento sustentável como aquele”… que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
Quando a semente desta utopia foi plantada, seu marco conceitual abrangia explicitamente 3 pilares – ambiental, econômico e social – e um pressuposto ético intergeracional, isso é, de que os pilares não só deveriam ter – entre si – um equilíbrio mas também que este equilíbrio permitiria às gerações futuras o suprimento de suas próprias necessidades.
Importante notar que o relatório em si não recomenda um ou mais modelo(s) econômico(s) como apropriado(s) para chegar ao DS, nem quais seriam essas “necessidades presentes” ou as condições para um acesso “justo” (conforme define o texto) a essasnecessidades por todos os seres humanos.
O texto aponta claramente os problemas de desigualdades, assimetrias regionais, entre e dentro dos países. É também cuidadoso em não trazer soluções prontas (receitas) e identifica a necessidade de se levar em conta as condições regionais, culturais, históricas, religiosas, de participação política, etc… para que qualquer modelo proposto possa ter sucesso.
Por fim, apela às nações, instituições internacionais, nacionais, governamentais, não governamentais, empresas grandes, pequenas, nacionais ou multinacionais, às sociedades humanas e a cada ser humano, aos jovens e professores, homens e mulheres para que assumam com urgência o desafio de mudar atitudes e hábitos de consumo para rumar em direção ao desenvolvimento sustentável.
Os dados que sustentam o diagnótico estão desatualizados e as relações internacionais tiveram mudanças significativas – lembrem-se de que o muro de Berlim caiu um ano depois do lançamento do Relatório – o relatório e suas conclusões infelizmente ainda não perderam sua atualidade.
Os atores que deveriam liderar, normatizar e investir para que o processo que leva ao DS avançasse não fizeram sua lição de casa; ficaram muito aquém do esperado, em especial com relação às metas de investimento para a ajuda ao desenvolvimento. O fluxo de recursos naturais e financeiros continuou sendo dos países mais pobres para os mais ricos, mesmo durante os anos da crise econômica iniciada em 2008.
Não quero com isso dizer que não houve avanço, em especial de conciência, organização da sociedade, tecnológicas e de comunicação, mas também tivemos retrocessos importantes: concentração fundiária, de conhecimento, das próprias tecnologias, de riqueza, fundamentalismos religiosos em várias partes do mundo, só para citar alguns.
Seria essa uma intencionalidade – a marca da manutenção do imperialismo e da dominação do Norte sobre o Sul, do capitalismo internacional por sobre os interesses das populações? Seria a própria utopia do Desenvolvimento Sustentável uma imposição dos países ricos e do capitalismo, uma forma de dificultar o “desenvolvimento” dos países mais pobres? Ou será que esse é o discuso das elites econômicas e políticas – geralmente as mesmas pessoas ou seus prepostos – dos países mais pobres para justificar a escandalosa taxa de desigualdade dentro destes mesmos países?
A natureza tem limites definidos e a tecnologia, fruto da inventividade humana, tem por base esses mesmos recursos naturais finitos. Há quem acredite que a tecnologia irá resolver estas questões e que temos de nos preocupar somente com as questões sociais. No entanto, antes de termos prontas soluções tecnológicas que permitam a continuidade do atual modelo de desenvolvimento e consumo, parte da humanidade e da vida sobre o planeta irá desaparecer – morrer! Temos de nos perguntar a quem interessa este tipo de solução – possivelmente àqueles que sentem que, via de regra, estarão a salvo desta completa mudança da conformação mesma do planeta.
A mudança climática e a aceleração da frequência e intensidade dos eventos extremos já são realidade. A possibilidade de conseguirmos parar o aumento da temperatura em 2o.C é cada dia mais remota. O que vai acontecer com os habitantes de Bangladesh e das desembocaduras de todos os grandes rios do mundo? De todas as beiras de mar? O que vai acontecer com a segurança alimentar e nutricional? Sabemos que produzir mais não é garantir que todos terão o que comer – já hoje o problema não é de quantidade, mas acesso; não é de calorias por dia, mas de conteúdo nutricional.
A meu ver, o Desenvolvimento Sustentável é um imperativo ético e uma questão de sobrevivência não do planeta, mas da vida na forma como a conhecemos e, em especial, da espécie humana. Temos de entender que norte – sul / esquerda – direita não são categorias suficientes para abarcar a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento que propugnam. É claro que devemos discutir “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, mas isso vale não só entre nações mas dentro das mesmas, regionalmente, conforme os níveis de consumo e modos de vida, e até entre homens e mulheres. No entanto, se o barco está pegando fogo, não adianta ficar discutindo de quem é a culpa ou morreremos todos afogados.
Hoje, encontramos uma distância maior entre governos “desenvolvimentistas” (de direita e de esquerda) e experiências (ainda tímidas) de governos “sustentabilistas progressistas” do que entre governos de esquerda e direita tradicionais ou do “norte” e do “sul”. É só observarmos que os maiores bancos de desenvolvimento da atualidade são chineses (2) e o brasileiro BNDES – os 3 com investimentos superiores aos do Banco Mundial. A China é hoje não só o maior comprador de terras como o maior investidor em óbras de infraestrutura na África e está chegando com força na América Latina, onde o BNDES cumpria este papel até há 2 anos atrás.
Como entender a essencialidade do termo sustentabilidade para o alcance profundo de nossa visão de desenvolvimento, para a construção de nossa utopia e para termos clareza do desafio que significa por em prática modelo(s) de desenvolvimento que sejam efetivamente sustentáveis?
2. Aprimoramento do marco conceitual do Desenvolvimento Sustentável – uma visão fora do eixo norte / sul – esquerda / direita
A Rede Sustentabilidade define o Desenvolvimento Sustentável a partir dos pilares “classicos” – econômico, ambiental e social – mas acrescenta a necessidade de sustentabilidade cultural, ética, estética e política. Essas 7 dimensões da sustentabilidade devem ser permeadas pela capacidade de realização plena do indivíduo e da sociedade (transversalidade).
Sugerimos falar de sustentabilidade por inteiro para demonstrar que a sustentabilidade precisa ser integral e sua realização vai além da junção mecânica da realização de cada um dos pilares.
Dimensão econômica: As relações econômicas devem estar baseadas em valores humanos e promover bem-estar em a toda sociedade, gerar conhecimentos, oportunidades de trabalho e riqueza, o que não se manifesta apenas através de parâmetros monetários e administrativos. As atividades econômicas devem preservar a estabilidade macroeconômica, o equilíbrio financeiro a longo prazo, a responsabilidade social e ambiental da propriedade e a capacidade de recomposição dos recursos naturais, para que o lucro de curto prazo não comprometa as próprias bases de sustentação da economia e da vida. A cultura econômica deve internalizar os valores de qualidade de vida e equidade em lugar do consumismo e da desigualdade e promover a adequação dos objetivos do “Mercado” aos direitos humanos e à justiça social, rejeitando a naturalização da supremacia das razões econômicas sobre todas as demais.
Dimensão ambiental: é preciso garantir a capacidade da natureza de se reproduzir e evoluir, por meio do cuidado à manutenção dos ciclos biogeoquímicos e da energia que dão sustentação a todas as formas de vida. Isso só é possível transformando a relação entre os seres humanos e entre estes e o ambiente natural, o que também supõe levar em conta o direito das gerações futuras a um planeta não degradado. É preciso dar ênfase à questão climática como um eixo onde se encontram as várias dimensões da sustentabilidade, demonstrando a necessidade de visão e ação integradas.
Dimensão social: capacidade de transformar os recursos naturais e os bens e serviços que produzimos em melhoria da qualidade de vida das pessoas, em redução / eliminação das desigualdades sociais, em segurança alimentar e nutricional e em acesso à educação, saúde, cultura, esporte e lazer, moradia, água limpa e saneamento básico.
Dimensão cultural: diz respeito à concepção do modelo de desenvolvimento, seus objetivos e marcos civilizatórios. Envolve o respeito, a preservação e a valorização da diversidade cultural e suas subjetividades como parte integral e autônoma do desenvolvimento pleno do ser humano e das suas muitas sociedades, não submissível à compreensão de desenvolvimento apenas como crescimento material.
Dimensão ética: somos seres que se importam uns com os outros, hoje e com os que virão no futuro. Isso se chama laço social ou aliança intergeracional, que não se resolve de forma técnica, mas sim ética. E esta ética ampla, atemporal, se sustenta na ética cotidiana dos indivíduos, com seus semelhantes e não-semelhantes. A falta desta dimensão destrói as conexões e os nexos que nos caracterizam como humanidade, como seres conscientes de nós mesmos e dos outros.
Ambas (cultura e ética), por sua vez, estão na base da ética política e da ética econômica, ao estabelecer limites para o poder e para o lucro, limites esses ditados pela consideração do direito coletivo, de cada um dos demais seres humanos, das outras espécies e do planeta.
Dimensão política: Nada será sustentável se o processo de tomada de decisões de interesse público não tiver características de legitimidade, representatividade, participação e abertura aos cidadãos das informações e ritos decisórios das instituições de Estado. O debate público, para tanto, é essencial para as escolhas coletivas, para criar o espaço de descoberta dos pontos de interesse comum aos divergentes.
A sustentabilidade política é a antítese dos “salvadores da pátria”, que por meio de poder carismático e manipulação travestem-se em “guias” da sociedade, usurpando a iniciativa política de cada indivíduo. A política se tornará sustentável quando for vista majoritariamente como um “problema nosso”, ou melhor, como uma “questão nossa”, e não como uma delegação desmedida a poucos.
Por fim, temos a Dimensão estética: Algumas coisas têm valor simbólico e não puramente econômico. Intuímos esta dimensão, mas podemos entende-la melhor com um exemplo. O Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, pode não ter nenhuma liquidez, mas nenhum de nós admitiria transformá-lo em brita. Isso é sustentabilidade estética. O respeito ao conteúdo estético dos bens culturais dos diferentes grupos étnicos formadores das sociedades humanas precisa ser garantido, assim como o direito à contemplação da natureza e da arte como parte do equilíbrio humano e fator de incentivo à reflexão e ao autoconhecimento.
Para terminar
Uma reflexão teórica sobre o desenvolvimento sustentável não irá substituir a prática e a prática não está dada pois estamos em sociedades viciadas, contaminadas por ideais de consumo e poder que têm por traz de si poderosas máquinas de imediatismo. Mesmo os grupos mais organizados e concientes, frente ao tamanho das mudanças necessárias, terminam se perdendo em lutas com seus mais próximos (ou menos diferentes). O caminho é desconhecido e, como diz o poeta, talvez precissemos mudar também nossa forma de caminhar. Assim, conteúdo e forma precisam evoluir em conjunto – uma ditadura sustentabilista pode ter resultados imediatos, mas não será sustentável politicamente e não é uma solução aceitável. Os processos devem ser valorizados e precisamos ter clareza de que as soluções serão múltiplas, diversas e devem estar sustentadas pelo pelo respeito à diferença, pela igualdade de oportunidades, pela equidade e pela paz.
*Muriel Saragoussi é Engenheira Agrônoma e Coordenadora de Formação da Rede Sustentabilidade. Foi consultora da organização não-governamental Oxfam na África Ocidental, coordenadora das campanhas da Oxfam do Brasil, secretária de coordenação de políticas para a Amazônia e diretora do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) na gestão da ex-senadora Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente.
* Com base em palestra proferida na mesa redonda “Desenvolvimento Sustentável: diálogos norte-sul” no âmbito do Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento da Universidade Aberta – Uab, Portugal
Extraído
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