Total de visualizações de página

Mostrando postagens com marcador Nova Politica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Nova Politica. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A Nova Política

O que será esta nova política? 

Caracterizo-a por alguns traços básicos:

1) do ponto de vista dos meios utilizados, são os mais avançados. A informática e, sobretudo, a Internet constituem seus instrumentos por excelência. Mas não se trata de meras técnicas, de simples meios a serviço de fins que continuariam sendo os mesmos do passado;
2) e isso porque a articulação das pessoas entre si, a formação de seus elos sociais, não está mais determinada por meios do passado, que se concentravam em torno de uma idéia-chave, a de interesse, geralmente econômico. Este continua tendo seu peso, mas que diminui cada vez mais;
3) assim, vão perdendo sua importância relativa – embora continuem existindo – as instituições pesadas, permanentes, sólidas, como partidos, sindicatos, associações de defesa de interesses precisos, lobbies; 4) e vão crescendo, e aumentando seu peso relativo na cena política, ainda que sem eliminar as instituições pesadas e sólidas, outros elos sociais, mais leves, até mesmo mais fracos, mais montados em algo ambíguo, que ainda não sabemos em que medida chamar de ideal, em que medida chamar de desejo;
5) tudo isso se ligando a uma alteração significativa nas identidades. Até um tempo atrás, cada pessoa se situava na sociedade a partir de uma identidade principal claramente determinada. Podia ser sua profissão, no caso de um homem, a condição de dona de casa, no caso da mulher, a religião ou opção política, em certas situações – mas sempre havia um foco central a identificar cada um. Hoje, não há mais. Desenvolveremos, neste prefácio, o que é esta nova política e de que modo ela contrasta com suas antecessoras, a política antiga e a moderna.
2
A política que chamamos dos antigos é essencialmente a de Atenas e Roma. Na verdade, ela beneficiava, no apogeu da forma democrática em Atenas e da republicana em Roma, poucas dezenas de milhares de pessoas. Em contraste, a China da mesma época reunia muitos milhões de indivíduos, em torno de uma concepção do poder completamente diferente. Pode então soar arbitrário que estudemos no pormenor uma minoritária política ocidental, e ignoremos por completo uma majoritária política oriental. Pode bem ser que, no futuro, se dê maior destaque à idéia chinesa do governante como jardineiro, aquele que assegura o equilíbrio social e cósmico, do que à sua concepção ocidental como pastor, que tange e mata, e modernamente como soberano, como quem faz e inova.
Mas, se isso pode um dia vier a ocorrer, ainda não é o caso. Porque certamente a mais forte das idéias políticas, em nosso tempo, é a de democracia. E ela é ocidental ou, para sermos exatos, grega. De Roma, tiramos também uma idéia forte, que é a de república, ou seja, a convicção de que o poder deve estar voltado para a res publica, a coisa pública, o bem comum. Desenvolvi estas duas idéias em outros lugares1, e por isso não as pormenorizo aqui.
O essencial é que costumamos entender a política antiga a partir dasvirtudes. Seja em Atenas, seja em Roma, supõe-se que o governante e os cidadãos coloquem, à frente de tudo o mais, o bem comum, a pátria. Isso distingue a "boa política" antiga, a dessas duas cidades exemplares, das outras, em especial da francamente má, que é a dos tiranos. Aliás, ao falar numa boa política estou realizando uma leitura retrospectiva, de quem – com os olhos de hoje – considera aí residirem as melhores contribuições dos gregos e romanos para a política moderna. Mas esta atitude é inevitável.
Uma forte idéia dos antigos é que não haveria boa política dissociada da ética. E multiplicam-se as histórias romanas de heroísmo, como a de Múcio Sévola, que deveria matar o chefe inimigo que cercava Roma – e aprisionado, ameaçado dos piores tormentos, toma a iniciativa de expor a mão sobre um braseiro, deixando-a queimar por inteiro, sem soltar um gemido sequer de dor, punindo-a porque ela errara o alvo.
* * *
A modernidade mudará de registro. A política moderna não é das virtudes, mas dos interesses. Maquiavel, esse autor tão mal falado, o anota quando, no cap. XV d’O Príncipe, diz que pretende tratar de Estados que realmente existem, e não de políticas ideais: porque, se ele idealizar, só ensinará o chefe político, "o príncipe", a correr à própria perda, em vez de preservar seu estado – isto é, sua condição de governante – e seu Estado. Maquiavel procurará, acrescenta, dizer coisa útil. E com isso deporta as virtudes para a vida privada, retirando-as da vida pública. Se ele chama de virtù a capacidade do líder para agir de maneira criativa e bem sucedida, vencendo as circunstâncias, essa qualidade nada mais tem a ver com a virtude moral.
É a idéia de interesse, porém, que representará a mudança radical que caracteriza a modernidade. Tomemos a crítica que Thomas Hobbes, por exemplo, faz à política antiga. Muitos, diz ele, leram os clássicos gregos e romanos que tratam da política, em especial Aristóteles e Cícero. Mas quanto derramamento de sangue causou, no Ocidente, o aprendizado do grego e do latim! ironiza ele, no cap. 21 do Leviatã. Isso porque esses leitores modernos dos antigos acreditaram nas qualidades das democracias e repúblicas, e assim se voltaram contra as monarquias da época "atual".
Essa crença os cegou. Enganou-os. O que pode abrir-lhes os olhos? É a compreensão de seu verdadeiro interesse. E não importa que Hobbes mal empregue essa palavra, que será difundida sobretudo com Tocqueville, o qual falará em "interesse bem compreendido". A idéia já está presente em Hobbes e nos políticos dos séculos XVII e XVIII. O que se deve ensinar aos homens é seu autêntico interesse. Este consiste, antes de mais nada, em evitar a morte violenta. Se cada um de nós buscar satisfazer só o seu egoísmo, correrá para a própria perda. Devemos ceder. Devemos negociar. Devemos contratar. Os modos de fazer isso variam conforme o autor, mas o modelo é sempre um: o filósofo da política mostra ao indivíduo desorientado qual é seu verdadeiro interesse, e este último, esclarecido, renuncia a uma parte dos seus desejos, para se preservar. Com o tempo, o interesse adquire um tom econômico. É o que melhor permite quantificar ganhos e perdas. Como ganho mais, como perco menos? eis a questão.
Sobre essa idéia de interesse, vai-se construir todo um sistema político. O que são partidos, se não agrupamentos que reúnem interesses? O que é a pregação política, se não o empenho de mostrar que meu interesse não está no outro partido, mas sim neste daqui? Se sou trabalhador, como votarei num partido que favorece os interesses dos patrões? Se vivo de rendas, por que apoiaria uma agremiação que defende sobretudo os assalariados? A racionalidade assim se sustenta de alguma forma no dinheiro. E não é casual que, no século XIX, apenas votasse quem possuía bens. A suposição é que o proprietário, por ter mais a perder em caso de uma guerra desastrada ou de simples má gestão demagógica do bem comum, seria mais sensato, promovendo políticas mais racionais, mais equilibradas. Mas, com o passar do tempo, dessa racionalidade dos interesses econômicos que beneficiava sobretudo os proprietários, passou-se também a uma racionalidade econômica favorável aos trabalhadores. Nasceram, cresceram, fortaleceram-se os sindicatos.
Todos esses elementos continuam importantes. Seria um erro proclamar, e pior ainda celebrar, o fim dessa política. Ela continua forte e mesmo necessária. Digo até mais: ela continuapredominante. E nada tenho contra isso. A discussão dos interesses continua sendo crucial. Num país como o nosso, por exemplo, a gritante injustiça social se sustenta num reconhecimento muito claro, por parte das classes dominantes, de seus interesses na exploração do trabalho, e isso requer que as pessoas e grupos empenhados em mudá-lo lutem no plano dos interesses, e portanto no da economia. Não o fazer é enganar ou enganar-se. Contudo, a política dos interesses tinha um pressuposto fundamental que, este sim, entrou em séria crise. Esse era o de que cada um de nós teria uma identidade prioritária, preferencial, claramente determinada.
Em outras palavras, a política moderna sustenta-se numa idéia desujeito. Cada um de nós – cada sujeito – é prioritariamente, digamos, patrão, operário, dona de casa. Dessa localização, dessa identificação, torna-se possível inferir quais são os interesses de cada um. Se sou patrão, religioso e chefe de família, segue-se que votarei num partido conservador. Se sou trabalhador, não pratico a religião e não tenho filhos, segue-se que é provável eu votar num partido de esquerda. Se não trabalho, sendo esposa e mãe, segue-se que adotarei uma posição política mais tradicional.
Aliás, eu poderia ir mais longe. No século XIX, quando essa política se consolida, o patrão é chefe de família e, mesmo que em seu foro íntimo seja descrente, pelo menos publica uma religião. O operário europeu não tem família e não gosta da Igreja. A mulher só é valorizada se for filha, esposa, mãe. Uma identidade acarreta todas as outras. A identidade é por pacote: vem um conjunto, não dá para selecionar o que queremos ou não. Ela é prêt-à-porter.
* * *
Mas a crise das identidades torna insustentável o primado exclusivo dos interesses. Hoje cada um de nós tende a ser uma mistura de identidades. Lembro com que estranheza, em 1973, no aeroporto de Zurique, vi um segurança de vinte anos de idade com um brinco na orelha. Na época, uma coisa contradizia a outra. A profissão entrava em choque com o enfeite. A seriedade da função repressiva conflitava com o prazer, a ruptura, o caráter contestatório do adorno. Hoje, isso coloca cada vez menos problemas. Há homossexuais assumidos que lideram partidos de extrema-direita. Há empresárias bem sucedidas que são mães de família. Há evangélicos em todos os partidos, bem como católicos devotos. Em nossos dias, essas diferentes identidades que cada um assume tendem assim a conviver, embora com um variável grau de conflito. Então, qual identidade – e qual interesse – prevalecerá? Dependerá das circunstâncias. Dependerá das ênfases. Colegas de trabalho, com o mesmo perfil – digamos, professores, negros, provenientes da classe média baixa, votando no PT – podem priorizar diferentes aspectos de um mesmo mix de identidades. Um pode ser militante do movimento negro, outro, do PT, um terceiro, filatelista ou músico. Notem, aliás, como perdeu relevo a cobrança por participação política ou sindical. Excetuados os momentos decisivos, quando uma ameaça séria se coloca a alguma identidade, não nos sentimos autorizados a exigir dos outros uma atuação constante e prioritária em tal ou qual direção política. Vale a pena insistir nisso, porque quem trabalha com política costuma ressaltar a opção partidária, explícita ou implícita, e o que estamos vendo é que ela tende hoje a se reduzir.
Disso decorrem dois resultados. O primeiro é que as instituições – antes sólidas – que representavam interesses perdem, precisamente, sua solidez. É verdade que os cientistas políticos insistem na importância de termos partidos fortes, representativos, disciplinados, bem definidos. Mas penso que, embora esses devam continuar existindo, essa solidez encaminha-se para o passado. Eles se conservarão peças importantes no sistema político, mas terão cada vez mais que repartir espaço com outros atores. O mesmo vale para os sindicatos. Porque a novidade é que novos traços identitários foram surgindo, crescendo e ocupando lugar. E a característica – eis o segundo resultado – desses novos traços é que eles não podem ser reduzidos ao esquema dos interesses.
São, sim, reduzidos aos interesses certas vezes. A sociedade norteamericana está construída com base nestes últimos. Daí que qualquer movimento, gay, feminista ou negro, se realize enquanto lobby. Os lobbies junto ao Congresso norte-americano são o modelo mais acabado de representação quase indisfarçada de interesses. Nos Estados Unidos os próprios movimentos sociais se convertem em lobbies2. Mas essa é uma característica daquele país, difícil de exportar para outros.
* * *
O que cada vez mais vivemos é outra coisa. É um dilema. Ou temos uma histeria identitária, ou uma abertura de identidades. A histeria ocorre quando assumo uma só, dentre as várias identidades que tenho – e justamente por saber, mesmo que inconscientemente, que "sou trezentos, trezentos e cinqüenta", forço-me na direção de apenas um desses papéis. Isso se vê quando o contato social se reduz a um parque temático. Quem só freqüenta o mundo gay, ou o mundo yuppie, ou o mundo petista, ou o ambiente socialite, acaba correndo o risco de tornar-se um parque temático portátil. Veste-se de um jeito, assiste a determinados espetáculos, opina de maneira previsível. Vive a sociedade como uma tribo. Evidentemente a coisa pode ser bem pior e, em vez de ser apenas ridícula, a pessoa pode tornar-se criminosa, como foi o caso quando se desagregou a Iugoslávia e assassinos apareceram por todos os lados, expressão de diferentes histerias identitárias. Ou nos fechamos numa só identidade, dizia, ou nos abrimos. Esta é a melhor perspectiva. Ter consciência de suas várias e conflitantes identidades é enriquecedor. E com isso chego à política que conduzimos durante a campanha. Entre minhas diversas identidades, fraturas se criam. Não sou um todo homogêneo. Stendhal bem o sabia, que dizia – no começo do século XIX – que detestava politicamente a direita no poder, simpatizando com a oposição e o proletariado, mas não conseguiria conviver socialmente com os miseráveis. Essa cisão no ser é uma característica que vem desde os primórdios da modernidade, mas foi, até poucos anos atrás, abafada.
O exemplo de Stendhal pareceria um equívoco, um atraso (e é um exemplo sem dúvida desagradável, politicamente incorreto, diria um jornalista3), mas na verdade era uma antecipação. É claro que substituiremos, cada vez mais, os termos que Stendhal usou. Falaremos na difícil conciliação de uma origem de classe, uma educação, uma escolha política, uma fé religiosa, uma orientação sexual, gostos artísticos, valores e sabe-se lá o que mais.
A cada um desses aspectos, tendemos a conferir cada vez maior intensidade. Antes, uns deles eram dispensáveis ou francamente secundários. Prevalecia a origem de classe, harmonizada com o dinheiro e a profissão. Hoje, não só os lados menores cresceram, como podem eles próprios prevalecer. Esta fratura causa dificuldades e mesmo sofrimento. Mas tem um enorme mérito. Abre espaço para o novo. Uma cisão dentro de nós facilita o diálogo. Reduz a blindagem. As identidades bem acabadas blindavam a personalidade. Nada entrava. Mas nada disso elimina, enquanto vivermos numa sociedade fundamentalmente injusta do ponto de vista social, os interesses que ainda pesam enquanto hipoteca sobre nós. É possível e provável que, quando superarmos nossa dívida social, a questão do que não é interesse se libere e floresça. Aliás, digo algo nesta direção no manifesto de lançamento de minha candidatura, adiante, no cap. 2. Numa sociedade justa, poderíamos – talvez, não estou certo – pensar só por pensar. Mas com toda a certeza hoje, no Brasil, aresponsabilidade social é fundamental. A questão, pois, é como fazer que uma nova política, mais leve, mais fundada na inteligência, seja o melhor meio de concorrer para a responsabilidade social da ciência. Quando, daqui a algumas páginas, eu insistir em que o nosso interlocutor principal deixe de ser quem está no governo para se tornar a sociedade – bem mais difusa e rica que o poder de Estado, mas, acima de tudo, aquela que numa democracia é quem detém com legitimidade a soberania –, é esta proposta que estará em jogo.
* * *
É esta convicção – de que estamos diante de seres humanos mais ricos, mais variados – que me levou a fazer uma campanha de idéias. Penso que nossa época é uma das que mais permitem a discussão em torno de temas. É claro que são grandes os fechamentos. Mas são menores do que nos tempos em que a identidade vinha pronta.
Mais um ponto: somos cientistas. A SBPC, como as sociedades científicas, culturais e as universidades, é um ambiente cujos membros trabalham com o pensamento. Nossa própria existência profissional depende de acreditarmos na importância das idéias, das experiências, da pesquisa. Precisamos, sempre, provar à sociedade como um todo que temos um papel relevante a cumprir. Isto é, precisamos convencer nossos concidadãos, do político até o eleitor, que as idéias, a pesquisa e a experiência valem alguma coisa socialmente – melhor dizendo, que valem muito. Ora, como os persuadiremos se nós mesmos não acreditarmos nisso? Daí uma segunda razão para fazer uma campanha de idéias. Se realizasse uma campanha baseada numa rede de apoios – como, aliás, fez meu principal adversário – estaria apelando a interesses, a identidades, a necessidades, mas não a idéias. Apelaria ao fechamento, não à abertura.
Defenderia a permanência do mesmo, não o diálogo. Evidentemente, esses interesses têm valor. Laboratórios e bibliotecas precisam de verbas. Medidas têm que ser exigidas do governo. Mas este não é mais o cerne das questões. Uma nova política precisa estar centrada naquilo que vai além dos interesses. Esse "além dos interesses", essa fratura entre as identidades, é o que abre lugar para idéias novas, para uma recriação das relações entre o mundo da ciência e a sociedade.
Finalmente, o melhor veículo para isso é a Internet. Construir um site de campanha e, depois, usar a mídia eletrônica da SBPC era uma maneira de investir nesses furos na carapaça identitária. Ela custa muito barato, quase nada. Não é uma indústria, no sentido tradicional, o das matérias primas, sede física e tudo o mais que despende muito dinheiro e por isso mesmo constrói um poder ou uma força econômicos. Por isso, afirmei no começo que a Internet não é só um meio. Ela apenas se mostra interessante quando não a vemos como mero instrumento, mas como o meio adequado a um fim em especial, que é o de desvincular as pessoas de suas identidades conformistas. O que é fascinante nos jovens é como viajam mundo afora dentro de seus próprios quartos. É claro que precisam, sim, precisamos todos viajar fisicamente. Mas é bom que mesmo dentro do espaço confinado se abram janelas enormes para o mundo, para a diferença. Fazer uma campanha de idéias pela Internet é fazer uma diferença.

NOTAS
1 Ver "Democracia versus República: a questão do desejo nas lutas sociais", in Newton Bignotto (org.), Pensar a República, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000, e meus livros A República A Democracia, ambos São Paulo: Publifolha, 2001.
2 Ver o cap. "Grandeza e miséria do politicamente correto" de meu A sociedade contra o social, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
3 Menciono os jornalistas, porque são quem mais usa a expressão politicamente correto (ou incorreto).

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Usina de Belo Monte um projeto inviavel .. entenda




Quais municípios estariam na área de influência da usina?
Acesse MOVIMENTO XINGU VIVO
Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu foram os municípios definidos pela Eletronorte como a área de abrangência da hidrelétrica de Belo Monte.
Estes municípios perfazem uma área total de mais de mais de 25 milhões de hectares, correspondendo a cerca de 20% do estado do Pará. Cerca de 70% desta área é constituída de unidades de gestão especial: unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas e áreas militares.Mais de 300 mil pessoas vivem na região, que tem como elementos integradores a rodovia Transamazônica e o rio Xingu. Altamira é o maior centro urbano local, com mais de 70 mil habitantes.
Qual seria a área alagada pela usina de Belo Monte?
Conforme os últimos ajustes no projeto da hidrelétrica, os empreendedores estimam que a usina provocaria o alagamento de cerca de 640 Km2 (área maior que a cidade de Curitiba, com seus 435 Km2). De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental do projeto, uma superfície territorial de 486,54 ha no perímetro urbano de Altamira será alagada e/ou desocupada por razão de segurança. Esta área abrange 12 bairros diferentes (cerca de 50% do total de bairros de Altamira), inclusive o atual bairro da orla do Xingu, onde se encontram espaços de lazer e convívio, com jardins e quiosques ao longo de um quilômetro de extensão; parte do campus da Universidade Federal do Pará; trecho da rodovia Transamazônica que atravessa a cidade; portos e praias (Praia do Pagé; Pedral ; Arapujazinho; Praia do Olivete; Prainha; Praia do Amor; Praia do Sossego; Praia do Padeiro; Besouro ; Praia do Louro; Praia do Adalberto; Arapujá e Prainha.
Na área rural, estão incluídas mais de 10 localidades , em sua maioria situadas nos travessões da Transamazônica, constituídos a partir da colonização oficial dos anos 1970. Aí se encontram 18 escolas, de ensino fundamental e médio; 4 postos de saúde; 22 igrejas; cemitérios; centros comunitários; sedes de associações rurais; oficinas;  estabelecimentos de beneficiamento de produção agrícola e extrativista (arroz, farinha, café, castanha-do-pará, açaí, cupuaçu, madeira); estabelecimentos comerciais diversos e de serviços de lazer e turismo. Trata-se, sobretudo, de uma ocupação organizada em torno de atividades agropecuárias, pesca, extrativismo vegetal e mineral.
Serão total ou parcialmente inundados cerca de mil imóveis rurais dos municípios de Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo, que perfazem mais de 100 mil ha, em sua maioria sob jurisdição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Aproximadamente 40% desses imóveis contam com financiamento bancário.
Parte do Xingu secaria?
No trecho de 100 km entre o sitio da barragem (Pimental) e Belo Monte os níveis da água do rio Xingu e do lençol freático baixarão como conseqüência da redução das vazões. Por isso é chamado Trecho de Vazão Reduzida (TVR). A queda dos níveis ocorrerá também no trecho final de vários tributários incluindo o rio Bacajá, principal tributário do Xingu no TVR, mesmo que este rio não sofra nenhuma redução de vazão.
Vários impactos biológicos e sociais têm sido associados com a redução dos níveis da água, como os problemas para a navegação e os efeitos sobre a Floresta Aluvial em toda a área afetada pelo rebaixamento do lençol freático, incluindo o território indígena dos índios Xikrin. Nesta área, foram computados 17.342 ha de vegetação dos pedrais e de 18.664 ha de florestas aluviais (sendo que partes dessas florestas encontram-se associadas com florestas de terra firme).
Quantas pessoas seriam afetadas pela hidrelétrica?
Além dos mais de 300 mil habitantes dos municípios de Altamira, Senador José Porfírio, Porto de Moz, Anapu, Vitória do Xingu, Medicilância, Gurupá, Brasil Novo, Placas, Uruará e Pacajá, das 14 milpessoas que vivem nas Resex do Rio Iriri, Riozinnho do Anfrísio, Verde para Sempre e Médio Xingu, e das 21 comunidades quilombolas da região, ainda não se sabe o número exato de pescadores, pequenos agricultores, garimpeiros e outros que seriam afetados pela usina.
De acordo com o projeto inicial da obra, cerca de 20 mil pessoas seriam desalojadas de suas terras e casas, mas o número pode chegar a 40 mil pessoas, de acordo com especialistas que acompanham o projeto.
Quantas terras indígenas seriam afetadas por Belo Monte?
A Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias que ocupam 30 Terras Indígenas (TIs), 12 no Mato Grosso e 18 no Pará. Todas estas populações seriam direta ou indiretamente afetadas à medida que o Xingu e sua fauna e flora, além do seu entorno, fossem alterados pela usina. Na região de influência direta da usina, três Terras Indígenas seriam diretamente impactadas: a TI Paquiçamba, dos índios Juruna, e a área dos Arara da Volta Grande, que se situam no trecho de 100 km do rio que teria sua vazão drasticamente reduzida.
Já a área indígena Juruna do KM 17 fica às margens da rodovia PA 415, e seria fortemente impactada pelo aumento do tráfego na estrada e pela presença de um canteiro de obras. Por outro lado, as TIs Trincheira Bacajá, Koatinemo, Arara, Kararaô, Cachoeira Seca, Arawete e Apyterewa, Xipaya e Kuruaya sofreriam impactos como escassez de pesca, pressão de desmatamento, pressão da migração de não-índios, pressão fundiária, epidemias como dengue e malária, entre outros.
Segundo o governo, há ainda registros de grupos indígenas isolados em três áreas do Xingu: na Terra do Meio, entre os rios Iriri e Xingu e a Transamazônica; entre os rios Iriri e Curuá e daí até a Br-163; e na Bacia do rio Bacajá. Tratam-se de grupos que vêm sendo pressionados pelo avanço da ocupação da região e que, provavelmente, não suportarão por muito tempo, caso perdurem as condições e o ritmo atual desse avanço.
Qual seria a produção de energia de Belo Monte?
Belo Monte teria uma capacidade instalada de 11 mil MW de energia, mas, devido à sazonalidade do rio Xingu, este volume só seria produzido durante quatro meses ao ano. A energia firme (média anual da energia a ser produzida ) seria de apenas  4,5 mil MW, cerca de 40% de sua potência (em setembro, quando a seca do rio atinge seu auge, a energia produzida não passaria de 1,8 mil MW, por exemplo). Isso qualifica a hidrelétrica como um dos projetos com menor eficiência energética do país.
Qual seria a destinação da energia de Belo Monte?
Do total de energia produzido pela usina, nos próximos 35 anos, por determinação do governo, 80% abasteceriam a rede nacional e seriam vendidos pelas distribuidoras de energia no mercado cativo (consumidores em geral). Os 20% restantes pertenceriam ao Consórcio Norte Energia para serem consumidos por seus sócios, ou destinados ao mercado livre, composta majoritariamente por empresas eletrointensivas.
Qual é a situação legal do projeto de Belo Monte?
Apesar de ter recebido do Ibama a licença prévia que teoricamente autorizou a realização do leilão de Belo Monte, realizado em 20 de abril de 2010, uma série de Ações Civis Públicas (ACPs) tramitam na Justiça e, do ponto de vista jurídico, podem invalidar o processo e impedir a construção da usina no curto prazo. Apenas do Ministério Público Federal no Pará, são nove as ACPs que aguardam julgamento de mérito, e que tratam de irregularidades como: Licenciamento estadual para rio federal e empreendimento em terra indígena; O Congresso não autorizou o empreendimento, como exige a Constituição no artigo 231; Decreto Legislativo 788, de tramitação ultrarápida – menos de 15 dias – no Congresso Nacional; Índios afetados não foram ouvidos; Estudos de Impacto são iniciados sem o Termo de Referência obrigatório; As três maiores empreiteiras do país foram beneficiadas pela Eletrobrás com informações privilegiadas sobre o empreendimento.
O convênio previa até cláusula de confidencialidade; Ibama aceitou EIA-RIMA com documentos faltando; ACP por improbidade contra servidor do Ibama que assinou o aceite do EIA-RIMA incompleto; Apesar de serem 11 os municípios diretamente afetados pela obra, apenas quatro audiências públicas foram feitas; Ação civil pública para suspender a licença prévia e o leilão até que seja regulamentado o aproveitamento de recursos hídricos em Terras Indígenas, conforme artigo 176 da Constituição Federal; Irregularidades graves na licença prévia: Não foram levadas em consideração as análises apresentadas durante as audiências públicas.
As ONGs Amigos da Terra-Amazônia Brasileira e Kanindé também impetraram uma ACP pouco antes do leilão, questionando mudanças no projeto licenciado – o Ibama deu a licença prévia para um alagamento de 516 Km2, mas o edital da Aneel prevê um lago de 640 Km2 – quase 30% a mais do que o previsto na licença prévia.
Há outras irregularidades no projeto?
Ao conceder a licença prévia ao empreendimento em fevereiro de 2010, o Ibama definiu 40 e a Funai 26 condicionantes (ajustes no projeto em função de problemas ambientais e sociais não resolvidos) a serem cumpridas pelo poder público e pelos empreendedores antes e depois do leilão. Até outubro de 2010, nove condicionantes do Ibama não foram realizadas, duas foram realizadas parcialmente e sobre as demais não há informações. Sobre as condicionantes da Funai, que prevêem ações como demarcação de Terras Indígenas e retirada de não-índios das áreas demarcadas, entre outros, 14 não foram realizadas, duas foram realizadas parcialmente e uma foi publicada. Sobre as demais não há informações.
Em tese, o não cumprimento das obrigações estipuladas para antes do leilão já é uma irregularidade grave. A não realização de todas as con dicionantes da licença prévia, no entanto, legalmente impediria novas licenças, como a de instalação, a ser concedida pelo Ibama e necessária para o início das obras.
Indios alegam que irá haver guerra .


Entenda a polêmica envolvendo a usina de Belo MonteApós uma batalha judicial que fez com que fosse suspenso por duas vezes, o leilão para decidir qual consórcio seria o responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi finalmente realizado nesta terça-feira, com a vitória do grupo liderado por Queiroz Galvão e Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf).
Criticada por ambientalistas e representantes de movimentos sociais e encarada pelo governo Lula como projeto prioritário no setor de energia, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte está no centro de uma polêmica.
Enquanto o governo afirma que a nova usina, que tem previsão para entrar em funcionamento em 2015, pode beneficiar 26 milhões de brasileiros, críticos argumentam que o impacto ambiental e social da instalação de Belo Monte foi subestimado e apontam para uma suposta ineficiência da hidrelétrica.
A BBC Brasil preparou uma série de perguntas e respostas que explicam a polêmica em relação à usina.
O que é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte?
Com projeto para ser instalada na região conhecida como Volta Grande do Rio Xingu, no Pará, a Usina de Belo Monte deve ser a terceira maior do mundo em capacidade instalada, atrás apenas das usinas de Três Gargantas, na China, e da binacional Itaipu, na fronteira do Brasil com o Paraguai.
De acordo com o governo, a usina terá uma capacidade total instalada de 11.233 megawatts (MW), mas com uma garantia assegurada de geração de 4.571 MW, em média.
O custo total da obra deve ser de R$ 19 bilhões, o que torna o empreendimento o segundo mais custoso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), atrás apenas do trem-bala entre São Paulo e Rio, orçado em R$ 34 bilhões.
A usina deve começar a operar em fevereiro de 2015, mas as obras devem ser finalizadas em 2019.
Qual a importância do projeto, segundo o governo?
Uma das grandes vantagens da usina de Belo Monte, de acordo com o governo, é o preço competitivo da energia produzida lá.
O consórcio Norte Energia venceu o pregão ao oferecer o preço de R$ 78 pelo megawatt-hora (MWh) produzido em Belo Monte, um deságio de 6,02% em relação ao teto que havia sido estabelecido pelo governo - que era de R$ 83 por MWh.
Segundo o presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, este teto do governo já representava pouco mais que a metade do preço da energia produzida em uma usina termelétrica, por exemplo, com a vantagem de ser uma fonte de energia renovável.
Além disso, a construção de Belo Monte deve gerar 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos e deve ajudar a suprir a demanda por energia do Brasil nos próximos anos, ao produzir eletricidade para suprir 26 milhões de pessoas com perfil de consumo elevado.
Quem são os grupos contrários à instalação de Belo Monte e o que eles argumentam?
Entre os grupos contrários à instalação de Belo Monte estão ambientalistas, membros da Igreja Católica, representantes de povos indígenas e ribeirinhos e analistas independentes.
Além disso, o Ministério Público Federal ajuizou uma série de ações contra a construção da usina, apontando supostas irregularidades.
Coordenador de um painel de especialistas críticos ao projeto, Francisco Hernandez, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, afirma que a instalação de Belo Monte provocaria uma interrupção do rio Xingu em um trecho de cerca de 100 km, o que reduziria de maneira significativa a vazão do rio.
"Isso causará uma redução drástica da oferta de água dessa região imensa, onde estão povos ribeirinhos, pescadores, duas terras indígenas, e dois municípios", diz Hernandez, que afirma que a instalação de Belo Monte também afetaria a fauna e a flora da região.
Além das questões ambientais, alguns críticos apontam que a usina de Belo Monte pode ser ineficiente em termos de produção de energia, devido às mudanças de vazão no rio Xingu ao longo do ano.
Segundo Francisco Hernandez, dependendo da estação do ano, a vazão do rio Xingu pode variar entre 800 metros cúbicos por segundo e 28 mil metros cúbicos por segundo, o que faria com que Belo Monte pudesse produzir apenas 39% da energia a que tem potencial por sua capacidade instalada.
Como o governo responde a essas críticas?
De acordo com o diretor de Licenciamento do Ibama, Pedro Bignelli, uma das condicionantes impostas na licença prévia para o empreendimento determina que seja mantida uma vazão mínima no rio.Além disso, ele afirma que há projetos de preservação da fauna e flora e que as comunidades que forem diretamente afetadas serão transferidas para locais onde possam manter condições similares de vida. Ele também nega que as comunidades indígenas serão diretamente atingidas.
Já em relação à eficiência, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, admite que Belo Monte não produzirá toda a energia que permitiria sua capacidade instalada, mas afirma que, mesmo assim, a tarifa será competitiva o bastante para justificar sua instalação.Segundo ele, o motivo para a redução na produção de energia está nas modificações feitas no projeto para diminuir o impacto da usina na região.
Qual o histórico do projeto?
As prospecções a respeito do potencial de geração de energia da Bacia do Xingu começaram nos anos 1970, e, na década seguinte, havia a previsão da construção de seis usinas na região, entre elas Belo Monte. Após protestos de líderes indígenas e de ambientalistas, o projeto de Belo Monte foi remodelado e reapresentado em 1994, com a previsão de redução da área represada, o que evitaria a inundação de terras indígenas.
Depois de uma série de idas e vindas, o Conselho Nacional de Política Energética definiu em 2008 que a usina de Belo Monte seria a única a explorar o potencial energético do Rio Xingu.
Em fevereiro de 2010, o Ibama concedeu a Licença Prévia para Belo Monte, impondo uma série de 40 condicionantes socioeconômicas e ambientais ao projeto.
No dia 20 de abril foi realizado um leilão para decidir qual grupo de empresas seria o responsável pela construção da usina, com a vitória do consórcio Norte Energia, liderado pela construtora Queiroz Galvão e pela Chesf.
Como foi o leilão?
O governo havia estabelecido que o vencedor do pregão seria o grupo que oferecesse o menor preço para a produção do megawatt-hora (MWh) de energia em Belo Monte, respeitando-se o teto estabelecido de R$ 83 por MWh.
O preço oferecido pelo grupo vencedor foi de $ 78 pelo megawatt-hora (MWh), um deságio de 6,02% em relação ao teto que havia sido estabelecido.
Já o valor oferecido pelo consórcio derrotado, que era formado por seis empresas e liderado pela construtora Andrade Gutierrez, não foi divulgado.
De acordo com a Aneel, o leilão durou aproximadamente sete minutos, sendo realizado apenas após a cassação de uma liminar da Justiça Federal do Pará que havia determinado sua suspensão.
Até a semana passada, apenas o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez estava oficialmente no páreo, após a desistência do grupo encabeçado por Camargo Corrêa e Odebrecht, no início de abril.
A desistência acendeu a luz amarela no governo, que lançou um pacote de medidas para estimular a participação privada no leilão, entre elas, um desconto de 75% no imposto de renda da usina nos primeiro dez anos de operação, além da ampliação para 30 anos do prazo para o financiamento pelo BNDES, que pode financiar até 80% da obra.
Além disso, os dois consórcios contam com participações bastante relevantes de empresas estatais.
*Colaborou Paulo Cabral, da BBC em Brasília